[Resenha] UBIK

Redação

Em uma sociedade futurista, Glen Runciter é dono de uma empresa responsável por rastrear psis, indivíduos com habilidades especiais, como telepatas e precogs. Ele e seus funcionários caem na armadilha de uma empresa rival, e Runciter morre. Seus funcionários passam a receber estranhas mensagens de Runciter em moedas e embalagens de cigarro. O tempo começa a retroceder e eles terão que lutar contra a degeneração física e mental. A solução pode estar no spray Ubik, mas conforme a trama se desenvolve, menos fica claro quem realmente precisa ser salvo.

Lançado originalmente em 1969, Ubik é uma das obras mais populares de Philip K. Dick. Além do reconhecimento do público, o livro também foi eleito pela revista norte-americana Time como um dos 100 melhores romances escritos em língua inglesa desde 1923. De acordo com Lev Grossman, crítico que o elegeu para o ranking, “Ubik é uma história de horror existencial extremamente inquietante”. Obviamente, não dá para discordar disso. Se tem uma coisa que toda a bibliografia de Philip K. Dick é… é inquietante.

Considerado por Ursula K. Le Guin “o Borges americano”, colocar em xeque a realidade fez Philip K. Dick um dos mais notáveis autores de ficção científica e um dos principais escritores do século XX, tornando-se conhecido por seus universos ficcionais, obras místicas e questionadoras.

Infelizmente, Dick teve pouco reconhecimento em vida, mas devido às adaptações de seus contos e romances para o cinema – Blade Runner: O caçador de androides (Androides sonham com ovelhas elétricas?) e os contos de Realidades adaptadas, por exemplo –, o autor tem seu nome aclamado e respeitado após sua morte.

Voltando ao livro: eu gosto de brincar que Ubik é o filho do meio de Philip K. Dick, pois apresenta diversas características comuns às outras obras do autor, só que em diferentes níveis: não é tão filosófico como O homem do castelo alto, nem tão místico quanto Valis, mas, em compensação, apresenta uma linha de transformação de realidade que também é usada em Fluam, minhas lágrimas, disse o policial e as tecnologias e características sobrenaturais do conto “Relatório minoritário”.

Ubik é ambientado em um futuro tecnológico, mas não distante, no qual os mortos não morrem totalmente e é possível manter contato com eles – o que lembra um pouco o início do 1º episódio da segunda temporada de Black Mirror.

O romance também leva ao leitor a história de um grupo muito especial de funcionários da Runciter e Associados, uma empresa formada por pessoas com poderes extrassensoriais, que trabalham rastreando e derrotando seus iguais, a fim de evitar que espionem seus clientes. Porém, em uma de suas missões, a nave que levava a equipe foi atingida por uma estranha explosão. No acidente, Rucinter, o chefe, morreu. Porém, de forma inexplicável, a equipe passou a receber mensagens de seu falecido patrão, ao mesmo tempo em que fragmentos da realidade foram transmigrando para o passado, como se a história retrocedesse.

E é nesse retroceder sem fim da história que descobrimos o que é o UBIK – ok! Ele aparece nas epígrafes dos capítulos em forma de propagandas que se referem aos seus usos mais estranhos – mas, de forma geral, UBIK é sempre um elemento desconhecido e digno de ser interpretado como qualquer item fundamental à vida: um remédio ou comida. O mistério continua até que ele adquire sua forma final como uma lata de spray e se torna claro que a sobrevivência dos protagonistas depende de seu uso.

Característica comum aos autores de ficção científica pós-Era de Ouro, o futuro apresentado em Ubik não é otimista. O corporativismo e a luta entre empresas pelo monopólio de suas áreas de atuação é bem clara. Não sei se chegamos ao ponto de um anarcocapitalismo como em Snow Crash, mas aqui o sistema se desenvolveu em um formato ainda mais invasivo do que o atual: Você chega a pagar para abrir sua porta e sair de casa. Uma alusão incrível à sociedade de consumo, que vigora até hoje.

Apesar de apresentar personagens interessantes e com poderes inovadores, acredito que o contexto, em Ubik, é mais importante do que os personagens. Joe Chip e até o próprio Runcinter estão tão perdidos quanto o leitor. As situações acontecem de forma veloz e surpreendente e isso pode dificultar a compreensão do contexto.

Dick não se vê na obrigação de explicar nada e o leitor pode e deve interpretar Ubik de acordo com a sua realidade. A sacada é que você se envolve com a história mais pelo conceito e pelos plot twists do que pelos protagonistas em si, que, no final, são apenas peças em um tabuleiro muito maior.

Talvez – apesar de parecer um defeito – seja esse o truque utilizado em Ubik. Dick não nos apresenta completamente seu universo; a sensação de estar abandonado e perdido nele é um dos pontos altos do livro. A ideia é sentir junto com os personagens a estranheza do desconhecido e, a cada passagem, sofrer com eles o empurrão que nos conduz até o final do livro, o ponto alto do romance.

QUE FINAL, SENHORES…

Por fim, é necessário entender que Ubik está longe de ser o ponto alto do autor. Mas, sem dúvida, serve como indicação e como porta de entrada para conhecer a bibliografia de Dick, porque, após sua leitura, você já estará adaptado ao seu amplo e complexo universo. Além disso, com seu enredo repleto de ação e sarcasmo, este é um livro que pode ser lido de diversas formas: como uma aventura em um universo psicodélico, ou a partir de uma das questões mais antigas da humanidade: existe vida após a morte?

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