[Resenha] Blade Runner: Androides sonham com ovelhas elétricas?

Redação

Rick Deckard é um caçador de recompensas. Na tentativa de trazer algum alento e sentido à sua existência em uma Terra devastada, Deckard busca melhorar seu padrão de vida até que finalmente consiga substituir sua ovelha elétrica por um animal verdadeiro – um sonho de consumo que vai além de sua condição financeira.
Um novo trabalho parece ser um ponto de virada para Rick: perseguir seis androides fugitivos e aposentá-los. Mas suas convicções podem mudar quando percebe que a linha que separa o real do fabricado não é mais tão nítida quanto ele acreditava.

Poucos autores sabem dar títulos tão legais para seus textos como Philip K. Dick. Talvez os nomes de seus livros possam ser comparados apenas aos títulos engraçadinhos que Victor Hugo dava aos capítulos de seus romances. Então, vale começar esta resenha oferecendo um elogio a este título genial e diferentão que é Androides sonham com ovelhas elétricas?.

Não só o título é especial, como a obra também. O livro que inspirou Blade Runner: O caçador de androides é o mais famoso do autor e um dos grandes clássicos do gênero. Ambientado numa Terra pós-guerra nuclear, Androides acompanha a história de Rick Deckard, um caçador de recompensas. Ele trabalha para a polícia para identificar e matar androides, que são praticamente idênticos a humanos, mas não têm autorização para viver na Terra. Os androides foram fabricados para servir de empregados nas colônias humanas em outros planetas, mas alguns deles matam seus donos para fugir para a Terra e tentar ser livres.

A vida de Deckard, assim como o planeta em que vive, é decadente; com seu salário baixo, ele não tem dinheiro para comprar um animal de verdade. Desde a extinção em massa causada pela guerra, animais vivos são raríssimos, e possuir um é o maior sinal de status, além de indicativo divino de merecimento de ascensão social. Deckard possui apenas uma ovelha elétrica, mas só ele e a esposa sabem dessa humilhação, uma vez que os animais elétricos são idênticos aos reais. Sua oportunidade de mudar essa situação surge quando um grupo de androides fogem juntos para sua região e ele recebe a missão de caçá-los.

Como em suas outras obras, Dick questiona aqui a realidade, a ponto de deixar o próprio leitor desconfiado. Qualquer personagem com quem Deckard depara – ou até ele mesmo – pode ser um androide, o que é dúvida suficiente para te deixar paranoico ao longo de toda a leitura, tentando antecipar qual vai ser o plot twist da vez.

Androides é uma obra cheia de questionamentos, que não apenas aborda de um jeito criativo o velho tema do que é, de fato, o ser humano, como também cria uma versão meio cyberpunk do cristianismo. Os personagens são adeptos da religião chamada mercerismo e podem experimentar a dor real de Mercer em seu sacrifício, através de máquinas de empatia, que permitem a todas as pessoas do mundo se interconectar e sentir o que as outras estão sentindo (uma tecnologia que, pensando bem, poderia ter um ótimo uso também num cenário utópico).

Infelizmente, Philip K. Dick é sempre um exemplo de como representatividade feminina não se limita à inclusão de personagens femininas. Pelo contrário, sempre que leio suas obras, penso que seria melhor se não houvesse nenhuma mulher nelas. As mulheres de Dick são burras, fúteis e sexualizadas, e estão na trama para levar o homem à perdição, estragar seus planos, ouvir suas explicações inteligentes ou simplesmente para que o autor possa descrever o decote delas. Em Androides, uma das mulheres é inútil e tem uma vida triste e solitária, apesar dos esforços do marido. A outra é o que o leva a trair a esposa (não que, em algum momento, ele sinta remorso por isso) e a quase morrer. O livro diz com todas as letras que é impossível que um homem resista a uma mulher que quer fazer sexo com ele, e um dos personagens chega a recomendar que o caçador de recompensas transe com seu alvo antes de matá-la, para facilitar o serviço.

A ressalva acima é muito necessária, e é urgente que aprendamos a equilibrar a apreciação dos clássicos a uma leitura crítica. Dito isso, é um livro que vale muito a pena. Uma ficção científica distópica com perseguição policial, drama, questionamentos sociais e até uns animaizinhos (que não são de verdade, mas você nem vai perceber).

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