[Resenha] Rápido e devagar

Goutyne
By Goutyne

O livro “Rápido e Devagar – Duas formas de pensar” é uma interessante jornada pelo funcionamento da mente humana. A partir da década de 1970, o autor Daniel Kahneman e seu amigo Amos Tversky começaram a desenvolver uma teoria com uma percepção diferente da teoria econômica padrão. Eles estudaram como preferências intuitivas violam consistentemente as regras da escolha lógica, mostrando que os humanos não são bem descritos pelo modelo tradicional de agentes racionais. Esta obra traz inúmeros experimentos e reflexões sobre psicologia e tomada de decisões, explorando as peculiaridades e os limites da racionalidade humana.

Foi justamente a colaboração da dupla neste campo de estudo que levou o autor a ganhar o Prêmio Nobel de Economia em 2002. Amos possivelmente teria dividido o prêmio, mas veio a falecer em 1996.

Os dois sistemas

Kahneman divide a mente em dois personagens fictícios. O sistema 1 é a parte que toma decisões de maneira automática e rápida, e não pode ser desligado. Ao lhe mostrarem, por exemplo, uma palavra escrita em um idioma que conheça, você a lerá de imediato. Já o sistema 2 é mais lento e exige esforço e atenção. O autor explora as capacidades, limitações e funções individuais de cada um destes mecanismos.

Quando alguém pergunta quanto é 2 + 2, a resposta provavelmente já aparece na sua cabeça, impulsionada pelo sistema 1. Entretanto, se perguntarem quanto é 17 x 24, o resultado não deverá vir à mente de forma imediata, e você precisará fazer certo esforço, acionando o sistema 2. Importante notar que à medida que nos especializamos em uma tarefa, menos demandamos energia e mais automático o processo fica. Dirigir, por exemplo, demanda mais esforço logo que tiramos a carteira, mas com a prática passa a ser uma atividade mais natural.

O sistema 1 é composto por um modelo de associações que fazemos, conectando ideias e acontecimentos que ocorrem com regularidade em nosso mundo pessoal, tornando-se algo comum. Ele busca histórias causais coerentes que liguem os pontos de conhecimentos que absorvemos no nosso dia a dia.  Uma característica muito importante deste processo associativo é que ele retrata apenas o que temos de memórias ativadas em nossa mente e, por isso, o autor usa bastante a expressão “o que você vê é tudo que há” (em inglês WYSIATI).

Quando a evidência é limitada, o sistema 1 tira conclusões precipitadas, usando a nossa memória associativa para construir de forma rápida e automática a melhor história possível a partir dos fatos que temos disponíveis. Saber pouco ajuda na conquista de coerência e do conforto cognitivo que nos leva a aceitar uma afirmação como verdadeira. Isto nos faz incorrer em uma série de vieses e ilusões cognitivas, como a superconfiança e o famoso Efeito Halo. Este último ocorre quando temos tendência a gostar ou desgostar de tudo em uma pessoa, mesmo só conhecendo poucas características dela.  Até mesmo estímulos despercebidos à nossa volta costumam ter grande influência em nossos pensamentos e formas de agir, o que é chamado de priming.

O sistema 2 é ativado quando nos deparamos com uma questão para a qual o sistema 1 não oferece uma resposta, mas ele não é exatamente um exemplo de racionalidade. Kahneman destaca que o sistema 2 é muitas vezes preguiçoso. Controlar pensamentos e comportamentos é uma atribuição dele, mas o autocontrole e o esforço cognitivo são formas de trabalho mental e, por natureza, temos aversão a este tipo de esforço. Quando estamos exaustos, por exemplo, é mais fácil acreditarmos em mensagens persuasivas, como comerciais. Portanto, quando o sistema 1 sugere a intuição incorreta e o sistema 2 a aceita, isso pode ocorrer por ignorância ou por “preguiça“.

Heurísticas e vieses

O autor mostra como tendemos a utilizar o pensamento causal de maneira indevida em situações que exigem raciocínio estatístico. Nossa cabeça é muito propensa a explicações causais, e as pessoas, de maneira geral, não costumam ser boas em estatísticas intuitivas. Muitas vezes ignoramos fatos estatísticos relevantes e acabamos usando heurísticas simplificadoras, que são como “regras de bolso“, para fazer um julgamento difícil. A confiança na heurística provoca inúmeros vieses e erros sistemáticos que são abordados no livro. É interessante notar como é fácil nos reconhecermos neles.

Econs X Humanos

A origem do que é conhecida hoje como economia comportamental se deu no início dos anos 1970 com Richard Thaler, autor que é citado diversas vezes no livro e que veio a ganhar o prêmio Nobel de Economia em 2017. Ele gostava de compilar observações de comportamentos que o modelo econômico racional não podia explicar e criou os conceitos de Econs e Humanos.

Os econs seriam pessoas consistentes e lógicas. Já os humanos são dotados de um sistema 1 e, por isso, possuem uma visão limitada pela informação que está disponível em dado momento (WYSIATI). O livro traz explicações sobre a teoria da utilidade esperada – que serviu de base para o modelo de agente racional – e as divergências encontradas por Kahneman e Tversky. A dupla realizou vários experimentos buscando entender as escolhas intuitivas que tomamos, e assim desenvolveu a Teoria da Perspectiva, com o objetivo de explicar violações sistemáticas da racionalidade quando fazemos escolhas entre opções arriscadas.

Segundo esta teoria, os humanos são guiados pelo impacto emocional imediato de ganhos e perdas, e não por perspectivas de riqueza e utilidade global no longo prazo. Isso significa que as pessoas possuem uma assimetria no valor psicológico de ganhos e perdas. A familiar aversão ao risco pode ser substituída por busca de risco quando mudamos nosso foco. Enquanto na teoria da utilidade os pesos de decisão e as probabilidades são iguais, na teoria da perspectiva nós atribuímos valores a ganhos e perdas mais do que à riqueza, e os pesos de decisão que damos a resultados são diferentes das probabilidades de eles ocorrerem. Isso quer dizer que situações economicamente equivalentes podem não ser emocionalmente equivalentes. Segundo Kahneman, este conceito de aversão à perda é a contribuição mais significativa da psicologia à economia comportamental.

Conclusão

Este livro certamente vai trazer muitas reflexões sobre a maneira como pensamos e tomamos decisões. Possivelmente você se enxergará em várias das situações mencionadas e terá uma outra forma de analisar suas ações. É bom aproveitar a jornada para absorver importantes dicas para disciplinar a intuição, como, por exemplo, questionar sempre as evidências e buscar pensar mais estatisticamente.  Aperte os cintos e boa viagem!

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