[Resenha] Senhor das Moscas (Nova edição)

Goutyne
By Goutyne

Durante a minha leitura de Senhor das Moscas, em vários momentos eu me perguntei como seria a minha resenha. E começo a escrever ainda incerta sobre isso. Que livro estranho e confuso. Minha relação com essa leitura foi da indiferença à raiva, da confusão à admiração. Felizmente, pude terminar essa leitura sentindo que valeu a pena, mas não foi fácil chegar nessa conclusão.

Primeiramente, sobre o autor: Golding, antes de se aventurar na escrita de romances, era um poeta. Portanto, sua escrita, mesmo na prosa, tem um quê de poesia, especialmente nas descrições da natureza. Golding também lutou na Segunda Guerra Mundial, experiência que certamente lhe deixou traumas e marcas psicológicas, o que também aparece em seu texto.

Mas o que eu mais gostaria de ter conhecimento antes de iniciar essa leitura (será que sou muito desinformada por não saber disso antes?) é que Senhor das Moscas é a tradução do hebraico Belzebu. Sim, o demônio Belzebu. E minha maior dica para quem pretende ler esse livro curto, de cerca de 200 páginas, mas profundo em suas entrelinhas é: pesquise sobre Belzebu, tanto sua origem mitológica, quanto sua representação no cristianismo, sua relação com moscas, trovões, crueldade e gula e os sacrifícios que eram realizados em seu nome. Você certamente vai pegar várias referências ao longo de todo o livro.

Porém, estando eu sem esse conhecimento prévio, preciso dizer que o livro só se tornou interessante lá pela página 110, quando coisas realmente começam a acontecer e a história deixa de ser apenas a rotina dos meninos na ilha. Não que acompanhar essas crianças na ilha tenha sido de todo desinteressante. Afinal, é intrigante acompanhar a dinâmica entre eles, as tentativas de restabelecer a ordem em um ambiente sem civilização e a forma como o clima vai ficando cada vez mais tenso conforme o tempo passa, o cansaço e a fome aumentam e as esperanças de um resgate diminuem.

O leitor, juntamente com os meninos, se questiona: qual a forma mais segura de se manter são? Ceder aos instintos e à selvageria, aceitando a realidade em que eles estão e se adaptando ao que a vida na natureza exige? Ou se esforçar para manter a civilidade e as regras sociais e continuar acreditando que eles serão encontrados? Qual alternativa enlouquece menos? A questão da sanidade mental permeia todo o livro, apesar se eu sentir que na primeira metade faltou um pouco de aprofundamento psicológico, o que melhora na segunda parte da história.

A obra parece realmente ter a intenção de ser um estudo social, onde a principal pergunta a ser respondida é: como se comportam crianças que são colocadas em um ambiente onde a civilização e a civilidade não existem? E confesso que tive momentos de questionar se aquelas crianças não tinham sido colocadas ali propositadamente? É apenas o autor fazendo um estudo social ou, na realidade do livro, um estudo social estava mesmo sendo realizado?

Senhor das Moscas também é um livro sobre a maldade humana, o que é compreensível se pensarmos que foi escrito logo após a Segunda Guerra Mundial por um ex-soldado. Ou seja, as esperanças na humanidade, a crença na bondade humana e o romantismo não estavam em alta.

O livro todo deixa um ponto de interrogação pairando sobre a cabeça do leitor. Página após página, eu ficava me perguntando: “o que eu não estou vendo?” ou “o que eu estou deixando passar?”, porque são várias as coisas que não fazem sentido e que, sem as informações certas, eu cheguei a acreditar que eram incongruências e inconsistências na história.

Uma ilha deserta que oferece tantas chances de sobrevivência? Crianças matando porcos selvagens? Frutinhas supostamente comestíveis, mas que nenhum deles nunca viu antes? Qual pode ser o real efeito dessa fruta que eles comem indiscriminadamente? Água doce e fresca para beber? Se o avião caiu, onde estão os destroços? E por que as crianças sentem, o tempo todo, como se estivessem sendo observadas?

Poucos livros clássicos podem ser lidos, compreendidos e apreciados sem um bom texto de apoio. Senhor das Moscas é um exemplo disso. Sem minhas pesquisas adicionais, eu teria achado o livro, no máximo, interessante, mas, com minhas pesquisas, eu o achei incrível. Então, sim, eu acho que a editora poderia ter investido numa boa apresentação, ou até mesmo em algumas notas de rodapé. Isso teria tornado a leitura mais rica e completa.

Sem nenhum texto complementar, a nova edição de Senhor das Moscas é simples. O trabalho gráfico é de qualidade, a diagramação é confortável e eu gostei da tradução, principalmente se levarmos em conta que a escrita poética do autor exige uma boa tradução para que esse aspecto não se perca. Porém, preciso dizer que não gosto dessa capa e prefiro a capa antiga, que também saia pela Alfaguara, mas compreendo o apelo que a capa nova tem.

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