[Resenha] Ruína e ascensão (Sucesso do TikTok): Volume 3

Redação

Queria começar esta resenha de uma maneira diferente. Isso porque eu vou reclamar horrores aqui e dizer o quanto eu não gostei desse final. Então eu queria começar falando dos temas que a narrativa trabalha antes de começar a destilar o meu veneno. Eu finalmente compreendi aonde a autora queria chegar com os três livros. No período medieval, a Igreja estava em uma fase onde precisava criar símbolos e mártires religiosos. Os fundamentos da religião católica estavam sendo construídos um por um, fossem a doutrina ou os santos. Uma das maneiras para cristalizar os santos foi criar uma espécie de biografia dos mesmos. Para tal, empregavam-se imagens e estas histórias possuíam fórmulas bem específicas. Estas eram conhecidas como hagiografias. Cada hagiografia continha uma estruturação que visava trabalhar temas momentos específicos da vida de um santo, nesta ordem: descoberta/iluminação, queda/martírio, sacrifício/ascensão. E o que vemos na Trilogia Grisha é justamente isso: a história de Santa Alina desde a sua descoberta até o seu “sacrifício”. É uma maneira de projetar a trilogia que é muito inteligente. Demonstra a habilidade da autora. E me frustra ainda mais pelas críticas que eu vou fazer logo abaixo.

O tema central neste terceiro volume é a fé. Fé esta que pode se manifestar de uma maneira sincera ou impiedosa. No começo vemos Alina encerrada na Catedral Branca cercada por seguidores por todos os lados. Isso depois de uma terrível batalha com o Darkling. Mas, em nenhum momento, Alina se sente segura neste espaço. Ela não está à vontade porque não está próxima de seus aliados e amigos. Não há o calor humano, apenas uma reverência fanática. E essa reverência é capaz de fazer qualquer barbaridade. Diante deste fanatismo absoluto, aqueles que enxergam a verdade por trás do que acontece são taxados como hereges ou desviantes e afastados do contato com a Santa o mais longe que puder. A situação é diferente do momento da fuga pelas cavernas. Ali temos pessoas que sentem fé por Alina. Mas, não uma fé cega, uma confiança absoluta no que a pessoa é capaz de fazer. Ou melhor: fé nas habilidades um do outro. Uma fé que enxerga força e fraqueza. Uma fé que busca aquilo que a pessoa possui de melhor, seja esta pessoa virtuosa ou não. E somente a partir desta fé sincera que os milagres acontecem.

Aí se encerram as virtudes deste terceiro volume. A partir daqui eu fiquei completamente insatisfeito com tudo. Em primeiro lugar se a escrita como um todo segue um modelo interessante como a da hagiografia, a escolha de narração deixa muito a desejar. A opção pela narrativa em primeira pessoa me exauriu após três volumes de um ponto de vista de uma personagem meramente passável. Não é possível se centrar em uma personagem tão insossa quanto a Alina. E aí escrita e enredo acabam prejudicados pela escolha de escrita e pela protagonista que não é capaz de segurar a história nos ombros. A minha cisma com a personagem acaba tomando o melhor de mim. Eu já pegava a história com um franzir de testa. E ao longo da trilogia, a autora se mostrou capaz de criar coisas diferentes como um capítulo epistolar, outro em que as coisas se passavam em flashes ou os prólogos e epílogos que sempre eram em terceira pessoa, mas usando pronomes indeterminados. A autora tem habilidade.

E caímos em outra reclamação: a protagonista. Ela evolui muito pouco ao longo de três volumes. Com o desenrolar da história podemos perceber que a personagem é reativa demais. Ela não age; espera que outros ajam por ela. Quando age, é um elemento narrativa usado para criar um novo conflito. Ou seja, não existe nenhuma ação acertada da protagonista. As descobertas são realizadas por Maly, o planejamento fica a cargo de Nikolai e os grandes momentos de ação são feitos por Zoya ou Harshaw. E a Alina? Ah, ela sabe fazer o Corte. Uhuuu. Mesmo os momentos em que ela busca comandar seus Grishas parece forçado. Ela não toma decisões por si mesma, apenas cita outros. O que Maly faria? Como Nikolai se comportaria? Isso me incomoda demais porque os demais personagens são tão mais interessantes do que ela. Até o Maly ganha uma nova profundidade neste terceiro volume, apesar de ele ter algumas posturas um pouco petulantes. Nikolai é disparado o melhor personagem da trilogia: imperfeito, repleto de camadas, frágil em alguns momentos. Zoya, Genya, David e até Harshaw ganharam tempo na trilogia e foram aos poucos revelando novas facetas que deixava o leitor interessado em saber o que aconteceria com eles. Aliás, se tivessem jogado a Alina em um buraco e a história fosse com os Grishas sobreviventes eu não iria me incomodar.

Em enredo, eu me questiono sobre a coragem da autora. Isso porque os leitores que estiverem acostumados com livros de fantasia Young Adult sabem o que uma boa autora consegue fazer com uma história desse gênero. Está aí a Victoria Aveyard com sua brutalidade, a Mary E. Pearson com sua sutileza, a Sarah J. Maas com sua competente criação de personagens ou a Trudi Canavan com sua construção de mundo. E aqui temos uma autora que nos momentos onde ela poderia ousar mais, ela escolhe o caminho mais seguro. Nenhum personagem realmente morre ou sofre alguma coisa traumática. Ah, Alina e Maly perdem os poderes? Nossa… incrível. Ela sente um vazio, mas vive feliz e contente em Keramzin. Teve alguns mortos… alguém que realmente importasse? Alguém realmente achava que a Baghra ia durar até o final? Por que não alternar capítulos com outros personagens? Por exemplo, a autora poderia criar interlúdios narrativos em que ela citava passagens dos diários de Morozova. Ou momentos em que víamos os planos do Darkling ao mesmo tempo em que conhecíamos melhor o personagem. Ou até momentos de virada como o Zodíaco onde o Darkling poderia ter criado um novo servo que teria de combater Alina até a morte. Imagine a cena dramática que seria uma batalha entre Alina e Nikolai? Mas, não.

Outro elemento que me incomodou foi como o clímax da história foi mal feito. Durou quatro páginas… QUATRO FREAKING PÁGINAS. Tem algo mais broxante do que isso? Esperamos três livros por esse momento final e ele dura um estalar de dedos. E a situação é resolvida da maneira mais enfadonha e melosa possível. Isso me incomodou… Muito. Tendo lido A Rainha Vermelha e A Espada de Vidro eu sei o que uma boa história de fantasia YA é capaz de criar. Momentos de cair o queixo ou em que surge uma pequena lágrima no canto do olho. Mas, isso não acontece aqui. O livro acabou? Legal. Não retirei nada de útil do que eu li. Pior do que isso: tudo era muito previsível. Lá na página 90 eu já sabia como o livro iria acabar. Isso porque eu já havia me familiarizado com os caminhos que a autora iria escolher. Em nenhum momento ela me surpreendeu. Minto… ela me surpreendeu uma vez com a escolha do terceiro artefato. Mas, foi uma escolha tão preguiçosa e tola que eu não acreditei no que eu estava lendo. E pensei logo em seguida: ah… já sei, ela vai sacrificar a pessoa, só que ela irá ressuscitar pela força do amor. E foi exatamente isso que aconteceu. A história perdeu o impacto.

Sobre a construção de mundo, este foi outra parte em que a autora pecou. Onde estão os outros reinos? Afinal, para quer serviu criar Shu Han e Fjerda se eles não aparecem em nenhum momento? Parecem tolos que estão ali só para encher um mapa. Porque se eles fossem nações conquistadoras iriam se aproveitar da fraqueza de Ravka que ora tem líder, ora não tem, para dominar ou destruir Os Alta. E no entanto eu não sinto a iminência da invasão. Parecem passivos o tempo inteiro em seus cantos. Em toda a trilogia, eles só aparecem em dois momentos: no esquife do Darkling onde este faz sua demonstração de poder no livro 1, e através do pacto feito por Vasily que permitiu o ataque do Darkling a Os Alta no final do livro 2. Em mais nenhum momento vemos sequer uma menção a soldados ou agentes dos dois reinos. E neste terceiro livro temos apenas a revelação dos túneis secretos usados pelos Soldat Sol e as montanhas onde o Pássaro de Fogo se esconde. Não temos um grande desenvolvimento sobre economia ou política. Apenas no final que temos um momento onde apreciamos as consequências do que o Darkling fez com o reino e a tentativa de criar uma noção de estabilidade.

Vou parar de reclamar porque tudo me incomodou muito como leitor. Eu entendo que se tratava do primeiro grande livro da autora. Mas, quando nos deparamos com os contos que ela escreveu nas edições especiais da trilogia ou lemos Six of Crows, que é a sequência da série percebemos a qualidade de escrita da autora. Ela foi pouco corajosa em todas as suas escolhas narrativas. Não teve um momento em que ficasse extasiado, emocionado ou surpreso. Recomendo a leitura sim, é uma escrita ágil, uma narrativa divertida, mas não criem expectativa. Aliás, esqueçam expectativa. Leiam por lazer e para conhecer o trabalho da autora. No mais, eu quero sim ler outras coisas dela para rever minha opinião sobre a sua série e confirmar aquilo que eu imagino que seja a sua real habilidade como contadora de histórias.

Compartilhe Este Post
Follow:
Goutyne, curiosidade e conhecimento! explore o mundo sem sair do sofá. Vamos explorar!