[Resenha] O árabe do futuro 1: Uma juventude no Oriente Médio (1978 – 1984)

Redação
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Imagine o quanto deve ter sido difícil para um garoto, nascido na França, em 1978, filho de pai sírio e mãe bretã, de cabelos claros, ir morar na Líbia governada por Kadafi e, posteriormente, na Síria de Hafez al-Assad? Esta infância peculiar e repleta de contrastes serviu de inspiração para o quadrinista Riad Sattouf contar a sua própria trajetória na série O Árabe do Futuro, publicada pela editora Intrínseca.

Ao todo, desde 2015, já foram publicados aqui no Brasil quatro volumes da série e o leitor pode acompanhar a vida de Riad e sua família em diferentes períodos entre o Oriente Médio e a França. Cada livro narra uma fase e segue uma ordem cronológica, assim, é imprescindível ler na sequência.

A busca pelos primeiros volumes de ‘O Árabe do Futuro’

Apesar de já ter ouvido falar da série O Árabe do Futuro, só resolvi procurar pela coleção em 2020, quando, despertado por um interesse maior por HQs, conheci melhor o conteúdo da obra. Serei honesto: não foi fácil encontrar alguns volumes, em especial os “1” e “3”, esgotados na edição física. E, por mais que eu goste dos leitores digitais, quadrinhos – ainda mais os coloridos – eu faço questão de ler no papel.

Comprei os três primeiros e o volume “4” recebi na parceria do Vai Lendo com a Intrínseca. Foi uma saga encontrar o “3” por um preço não abusivo. Precisei vasculhar sebos digitais e monitorar. Enfim, encontrei. Por mais que tenha sido complicado, valeu a pena o esforço. Se não conseguisse, buscaria a versão digital, pois, além de estar completamente envolvido pela trama de Riad, a história é fantástica. Realmente vale!

Não sei a viabilidade econômica para editora, até porque o custo de produção da obra deve ser alto, mas um dia gostaria de ver um volume único de O Árabe do Futuro em capa dura. Seria um máximo! Um leitor pode sonhar, não?

Por que acredito que a versão física proporciona uma experiência mais interessante?

CORES. Cada país percorrido pela família tem cores próprias. E as cores trazem uma atmosfera para o cenário e, consequentemente, para a narrativa. Elas passam emoções. Em preto e branco, tudo fica igual, as nuances se perdem. Uma perda significativa para a experiência literária. Por isso, fiz uma busca incessante para ter os livros físicos. Não me arrependo.

O olhar do pequeno Riad

O narrador é o grande destaque de O Árabe do Futuro. Testemunhar toda a inocência e os conflitos culturais pelos olhos do pequeno Riad é incrível. Além do olhar infantil, Riad Sattouf traz a memória olfativa para as páginas. É uma viagem pelas lembranças através dos sentidos. De uma sutileza ímpar. Você se diverte, sensibiliza e se coloca no lugar dele. Ao longo dos livros, acompanhamos o amadurecimento deste jovem que, aos poucos, perde o brilho da infância e passa a buscar o seu lugar no mundo.

Personagens marcantes

Uma história inspirada em fatos reais tende a nos presentear com personagens interessantes e complexos. Em O Árabe do Futuro, a figura do pai é uma das mais instigantes. Isso porque ele muda muito. Enquanto estuda na França, Abdel-Razak é bem mais aberto ao ocidente. Na volta às suas origens, na Síria, se apresenta como um conservador. E o tratamento dele com a esposa e filhos se transforma. São nítidas as questões do personagem e os seus juízos de valores.

A mãe, Clémentine, abriu mão da vida na França para acompanhar profissionalmente o marido e, com isso, também abriu mão da sua liberdade, tendo que lidar com uma cultura na qual a mulher é submissa. Durante vários momentos, me perguntei como ela aceitava tudo isso.

Como Riad é o narrador, esses conflitos não são muito nítidos, entretanto, fica evidente a insatisfação da mãe. A trajetória da personagem tem uma virada no quarto livro e, para o próximo volume, acredito que o relacionamento do casal seja um dos destaques, após uma uma atitude tomada pelo marido. Inclusive, esse foi um dos melhores ganchos para o quinto – nem preciso dizer que já estou ansioso, né?

Além dos pais, outros personagens também se destacam. Os primos que perseguem Riad, na Síria, por acreditarem que ele é um judeu.  Os avós franceses, a avó muçulmana. Enfim, todos eles contribuem para essa rica e divertida experiência.

Visões de mundo

Além do olhar do pequeno Riad, o conflito das visões entre o mundo árabe e o ocidente é outro ponto de destaque de O Árabe do Futuro. A série mostra como a história mundial pode ser contada de diversas formas, dependendo do narrador. Vilões e mocinhos passam a ser meras denominacões. Quem está certo? Uma pergunta difícil de responder.

Neste sentido, é importante observar o papel da cultura na formação do indivíduo. O quão valiosos e poderosos são os ensinamentos passados através das gerações. O Árabe do Futuro consegue trazer essas reflexões, com muita leveza e humor, trabalhando sempre em cima dos contrastes.

Uma rica e divertida experiência cultural

O Árabe do Futuro me fascina como um todo. É uma obra de vasta riqueza cultural, que traz no olhar infantil a descoberta de um mundo multicultural. Através da leitura, conheci um pouco mais do islamismo e da cultura muçulmana. Situações, costumes, tradições e como cada região, país, tem as suas nuances.

Por ser narrado por uma criança, tudo parece uma grande aventura. É divertido, leve, envolvente. Uma experiência fantástica e enriquecedora!

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