[Resenha] Notas sobre o luto

Goutyne
By Goutyne

Chimamanda perdeu seu pai, James Nwoye Adichie, no dia 10 de Junho de 2020 e em um período como esse em que estamos vivendo o luto de um falecimento não está apenas na casa dessas famílias, mas em todos os lugares. Cada falecimento é sentido mesmo por aqueles que são de outras famílias e muitas vezes pessoas que nem se conhecem. Então um livro como este, que aborda o luto de uma maneira tão intima e dura, acaba sendo um pequeno refugio para quem procura saber lidar com ele sob a ótica de alguém que está passando por isso justamente enquanto as palavras estão sendo escritas.

Com o sofrimento da perda de seu pai, neste pequeno livro a autora celebra todas as boas lembranças de quem ele foi para ela e lida com o seu sofrimento ao perceber que nunca mais irá sorrir com ele, nunca mais irá vê-lo com sua filha, sua mãe e seus irmãos. Ao ler suas palavras podemos sentir o orgulho que ela sentia dele e de ser filha dele, de ter sido criada por esse homem com princípios que ela respeita e que era respeitado pela sua comunidade na Nigéria.

Particularmente eu adoro esses livros de não-ficção da autora, pois eu sinto que ela procura falar com as leitoras de uma forma íntima como se fossemos conhecidas que não se encontravam há alguns anos e agora estamos tomando um café enquanto ela desabafa sobre uma perda. Não tem como não se sentir triste ao ler e relembrar uma perda, mesmo as mais antigas.

Aquela pessoa que nunca mais iremos poder ver o sorriso, ouvir a voz e até um xingamento que hoje nos faz rir. Nesta obra ela nos diz que tá tudo bem sentir raiva ao perder alguém e que sentir que o mundo não é justo por levar alguém tão especial não é errado. Aqui é permitido todos os sentimentos tristes e rancorosos que envolvem a morte.

O que sempre me surpreende é como uma palestra, ou um ensaio pode conter tanto poder de transformação e identificação…e é ai que entra a teoria literária e o conceito de memória e de texto de auto ficção que falam sobre a escrita de si. 

 Talvez seja possível explicar o fato de que a literatura pode causar grandes emoções às pessoas que jamais vivenciaram aqueles fatos descritos; podemos exercer a empatia através de memórias que não são nossas, como por exemplo no livro ensaio Notas sobre o luto.

 Em Notas sobre o Luto, a memória autobiográfica de Chimamanda  nos apresenta sua história com o pai a partir do momento em que é informada via zoom (o aplicativo), pelo irmão, que o pai faleceu; aqui cabe o recorte que essa perda foi vivida em um momento em que o planeta vive uma pandemia e o ir e vir esbarra em aeroportos fechados, em que fronteiras estão bloqueadas e a morte se apresenta além da falta que essa pessoa passará a fazer. 

 A morte nesse cenário irá moldar as experiências do existir que virá da ausência do pai, suas memórias antes revisitadas com alegria, agora precisam se adequar a dor que é perder alguém; é através dos relatos de como a dor física pode evocar lembranças que a autoficção remonta quem Chimamanda foi e é. No breve período que compreende da morte até o enterro, as memórias recontam quem o pai foi e como isso implica nas tradições de sepultamento da cultura Igbo. 

 Esses fragmentos de personalidade revividos estão atrelados ao que a autora viveu com o pai na infância e adolescência, ao que testemunho da relação do pai com os irmãos ou do que foi vivido por ele mesmo antes da existência dela (que lhe foi passado através das memórias de família). Nessas notas sobre seu luto em particular podemos ver os relatos e lembranças sob a ótica  da memória individual quando CHIMAMANDA relata:

 “É claro que me lembro de como meu pai sempre dizia “deixa pra lá” para fazer com que nos sentíssemos melhor em relação a alguma coisa, mas o fato de Okey também se lembrar faz aquilo parecer verdade outra vez […] não, eu não estou imaginando coisas. Sim, meu pai era mesmo maravilhoso. ESTOU ESCREVENDO SOBRE o meu pai no passado, e não consigo acreditar que estou escrevendo sobre meu pai no passado.”

 Enquanto Chimamanda recorre às memórias para descobrir como se portar em sua nova realidade, a autoficção dela me acertou em cheio pois tentei imaginar quantas pessoas estão passando pelo mesmo processo exatamente agora. Dentre todos os conceitos passíveis de discussão, memória parece ter um caráter quase que incontestável de organizar quem um dia fomos, quem somos hoje e quem seremos quando não mais estivermos aqui. E é exatamente por isso que esse pequeno livro mexeu tanto comigo, vivemos um momento atual que as crises estão todas afloradas, que os extremos se enfrentam todos os dias, e o que sobrar disso seremos obrigados a reviver como nossas próprias memorias. 

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