[Resenha] Jo Nesbø – O leopardo: 8

Redação

Meu primeiro contato com algum livro de Jo Nesbø se deu através de Boneco de Neve, livro que antecede O Leopardo, 8º volume da série do investigador Harry Hole. Da primeira vez, fiquei admirada com a habilidade do autor em conduzir o suspense da trama e em criar climas de tensão com suas cenas. Agora, fui novamente surpreendida.

Embora eu não tenha achado O Leopardo assustador como Boneco de Neve foi para mim em diversos momentos, o autor demonstrou seu domínio na criação de momentos de agonia, com cenas completamente capazes de causar aflição. Também, a trama desse novo volume conseguiu ser ainda mais complexa. Com uma escrita detalhada, Jo Nesbø não apenas se mostra capaz de situar o leitor muito bem nos cenários descritos como também consegue fazer reflexões interessantes através dos pensamentos e emoções de suas personagens, muito bem delineadas de acordo com suas intricadas características. Harry Hole, acima dos demais, é o anti-herói multifacetado, desapegado de honrarias e comprometido com a luta contra o mal, mas que vive seus próprios conflitos interiores contra seus demônios, sobretudo o alcoolismo. Contudo, nenhuma personagem apresentada segue uma linha maniqueísta: embora algumas pendam mais para uma apresentação positiva e outras para uma mais negativa, todas se mostram complexas, o que dota cada uma delas de uma realidade extremamente notável.

“A conversa na frente do carro havia terminado, e Harry fixou o olhar na parte de trás da cabeça de Kaja. Como o Amazon de Bjørn Holm tinha sido fabricado muito antes de alguém inventar o termo trauma cervical, não havia encosto de cabeça, e com o cabelo dela em coque, Harry podia ver o pescoço fino, a penugem branca na sua pele, e meditou sobre a vulnerabilidade das coisas, sobre a rapidez com que tudo podia mudar, sobre tantas coisas que podiam ser destruídas em questão de segundos. Era isso a vida: um processo de destruição, uma desintegração de algo que a princípio era perfeito. O único suspense era se seríamos destruídos de repente ou lentamente. Era um pensamento triste, mas agarrou-se a ele mesmo assim.”

A investigação de homicídio toma o primeiro plano do enredo, sendo a ação principal a ser desenvolvida. Entretanto, outros conflitos assumem importância e contribuem para a construção de uma profunda teia de acontecimentos, como a luta entre a Divisão de Homicídios e a Kripos, nova divisão policial de Oslo; o agravamento da doença do pai de Hole; o próprio combate interno enfrentado pelo protagonista – seu desejo de afastamento de seu cargo contraposto a sua sensação de dever na investigação e ao seu incontrolável desejo de solucioná-lo.

Não apenas as várias camadas da trama fazem dela complexa como o próprio desfecho da investigação assim se mostrou: Jo Nesbø conseguiu me surpreender por diversas vezes ao longo da leitura, trazendo conclusões inimagináveis. Muitas reviravoltas no enredo, inclusive, não necessariamente diretamente ligadas ao caso, tiveram igual impacto em mim.

“O que é, onde está, aquilo que transforma alguém num assassino?
(…) Pessoalmente, acho que a capacidade de matar é essencial qualquer ser humano saudável. Nossa existência é uma luta pelo próprio lucro, e aquele que não consegue matar o próximo não tem direito a existir. Matar, afinal, é apenas adiantar o inevitável. A morte não abre nenhuma exceção, o que é bom, pois a vida é dor e sofrimento. Nesse sentido, todo assassinato é um ato de caridade. Você só não consegue perceber isso no momento em que o sol esquenta sua pele e a água molha seus lábios, e você sente em cada batida do coração a vontade idiota de viver e se dispõe a pagar por qualquer migalha de tempo com tudo que conquistou durante a vida: dignidade, status, princípios. Nesse momento é preciso mergulhar nas profundezas, ir além da luz confusa e ofuscante. Entrar na fria e reveladora escuridão. E compreender o núcleo rígido. A verdade. Porque era isso que eu tinha que encontrar. E foi o que encontrei. O que transforma uma pessoa em um assassino.”

Embora eu tenha iniciado a leitura da série pelo 7º volume, não senti prejuízo de compreensão do conteúdo por não ter lidos os primeiros volumes. Inclusive, o fato de eu ter lido Boneco de Neve antes de O Leopardo não me acrescentou muito, tendo em vista que eu já havia me esquecido de boa parte de seu teor. Ainda assim, a leitura sequencial de qualquer série acrescenta uma compreensão muito melhor de seu universo e de suas personagens, como também proporciona um maior envolvimento, de modo geral.

Os fãs de thrillers policiais não podem deixar de conhecer Harry Hole e seus casos, considerando a excelência da história e de seu desenvolvimento construídos por Jo Nesbø. Aos que tiverem oportunidade, a editora Record também publicou os primeiros volumes da série – que atualmente conta com 10 livros, 4 ainda não lançados no Brasil (a série começou a ser publicada pelo 3º volume) -, porém com capas que diferem do padrão dos dois últimos por aqui lançados.

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