[Resenha] Feitos de Sol: Um Amor Capaz de Incendiar o Mundo

Redação
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Amar. É ver a luz em alguém e este alguém ver a luz em você. Um sentimento difícil de explicar, mas capaz de incendiar. Em Feitos de Sol, escrito por Vinícius Grossos, publicado pela Faro Editorial, descobrimos a força e a magia do primeiro amor através da apaixonante história de Cícero e Vicente. Uma trama emocionante, repleta de adversidades, amor e, acima de tudo, verdade.

Em meio aos últimos meses do ano de 1999, com diversas teorias de fim do mundo, incluindo o Bug do Milênio, Cícero, um nerd de 15 anos, fica frustrado por não conseguir comprar o último volume do seu quadrinho favorito, Under Hero. Entretanto, diante da loja fechada, Cícero conhece Vicente, um jovem que também é fã do seu herói predileto e também acredita no fim do mundo, só que pelo viés religioso. Apesar das diferenças, de crenças e afinidades, em uma época que tudo era ainda mais complicado, Cícero e Vicente  vão descobrir no convívio um com o outro mais sobre eles mesmos, se aceitar e, sobretudo, vão viver o primeiro amor.

Demorei um pouco para mergulhar na trama de Feitos de Sol. Como o próprio Cícero, narrador da obra, se declara, ele é muito “crianção” e, num primeiro olhar, parece um pouco superficial. No entanto, quando a história se desenvolve, percebemos todos os conflitos, inseguranças e medos do personagem. A narrativa cresce. Se pararmos para analisar, o comportamento é típico dos adolescentes, e o meu julgamento foi bastante equivocado. Exatamente como um adulto que não dá crédito ao sofrimento dos jovens, dizendo que apenas quem tem boletos a pagar tem problemas. Não! Toda essa busca pela identidade é complexa e, talvez, um dos momentos mais delicados da vida. É difícil se descobrir e se firmar no mundo.

Em paralelo ao turbilhão de conflitos que é a adolescência, Feitos de Sol aborda também, através da trama de Vicente, o embate entre religião e sexualidade e a opressão dentro de casa. A associação com o livro Boy Erased – Uma Verdade Anulada, de Garrard Conley, é inevitável. Mas, apesar de não mergulhar na mente da pessoa que sofre o abuso dentro de casa, afinal a narrativa é conduzida por Cícero, Grossos consegue fazer um texto mais envolvente sem perder o viés questionador, completamente oposto à monotonia do livro norte-americano.

Cícero e Vicente são personagens reflexos da realidade. Têm defeitos, cometem erros, fazem pré-julgamentos, mas, no fim, buscam sempre melhorar, evoluir. E, o principal, também correm através da sua felicidade, independente da opinião alheia. Por isso, eles cativam tanto.

O contexto “Bug do Milênio” e as inúmeras referências que o livro traz – saudades videolocadora – só contribuem para uma maior imersão na leitura. A contextualização é boa, realmente bate a nostalgia de quem viveu a época. Só faltou um cuidado maior na checagem das referências. Só para não “quebrar” o clima.

Um dos pontos altos de Feitos de Sol são os diálogos. Dois deles me chamaram a atenção: a conversa de Emir, avó de Vicente – e uma das melhores personagens -, com Cícero. Fala de amor, aceitação. É incrível, contagiante e necessária. Na verdade, este capítulo (18) como um todo deveria ser compartilhado, principalmente com os intolerantes. Quem sabe não aquece um pouco esses corações gelados?  O outro é o papo de Cícero com a mãe sobre a sua sexualidade. A cena em si reflete bem o drama da situação, para os dois lados. É tensa e mostra que o assunto, até mesmo para famílias consideradas “mente aberta”, ainda é um tabu.

A escrita de Vinícius Grossos passa uma verdade que é fundamental no ofício de escrever. Tudo é tão crível, profundo e sensível que comove o leitor, promove a reflexão. O amor de Cícero  e Vicente é tão puro e bonito que me fez questionar como ainda tem gente capaz de rejeitar, reprimir e, pior, propagar o ódio. Por que é tão difícil aceitar a felicidade do outro?

Apesar do período nebuloso pelo qual estamos passando, é muito gratificante ver a diversidade tomar conta da literatura,  principalmente a jovem. É muito importante dar voz, falar, debater, trocar experiências e entender o outro para, então, evoluirmos enquanto sociedade. Tenho muitas saudades dos anos 1990, década que vivi a minha infância, e Feitos de Sol, de certa forma, mexeu com o meu lado nostálgico. Entretanto, não troco a liberdade que temos hoje por nada… E espero não sentir saudades desse tempo no futuro.

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