Imagine viver em uma sociedade onde livros são banidos e, por isso, queimados. Eu sei, dá calafrios só de pensar! No entanto, no mundo totalitário criado por Ray Bradbury, este é o destino das publicações que tanto semeiam o pensamento crítico. Afinal, não seria “melhor” se tudo fosse padronizado? Quem sabe não viveríamos em paz, sem discussões, e teríamos mais tempo para nos entreter? Não seria maravilhoso? Ou extremamente absurdo? Por mais surreal que possa parecer, o clássico Fahrenheit 451, publicado pela Biblioteca Azul, selo da Globo Livros, mostra que a ficção pode estar bem próxima da realidade. Uma leitura bastante reflexiva que vai incendiar os seus pensamentos.
Nesta distopia, a leitura tornou-se instrumental, suficiente apenas para que as pessoas saibam ler manuais e operar aparelhos. Os livros, por serem uma ameaça, se tornaram proibidos e, para combater esse “mal”, são acionados os bombeiros, que perderam sua função com o surgimento das casas à prova de fogo, para incinerarem tudo. Guy Montag é um deles, mas, depois de conhecer Clarisse, uma jovem que reflete tudo à sua volta, acaba incentivado a fazer o mesmo, começando uma série crise ideológica.
A crítica feroz de Bradbury à cultura de massas é uma das características mais marcantes de Fahrenheit 451. É bem incendiária, digamos assim, mas compreensível no contexto do pós-guerra e da massificação dos meios de comunicação (especificamente a televisão). Essa demonização do entretenimento é algo que me incomoda desde a época de faculdade, porém, é fundamental respeitarmos o posicionamento do autor para que possamos apreciar com o cuidado e a atenção que a narrativa merece.
Dentro da sua ideologia, Bradbury constrói um mundo e personagens incríveis. Todo o questionamento sobre a perda do pensamento crítico e como os livros transformam os leitores são muito bem executados e envolvem o leitor. Ainda mais para nós, apaixonados por livros. É de arrepiar!
A inversão da função dos bombeiros, a questão do fogo e sua representatividade são associações inusitadas que refletem toda a criatividade do autor. É tudo muito bem pensado e, em certos casos, irônico. Uma realidade instigante. E, dentro do conceito de queimar ideias, pensamentos, que um livro transmite, Bradbury traz algo muito interessante: a perda do debate, do conflito de ideias. Não concorda com algo? Queime! E, num mundo polarizado, como o de hoje, a distopia se assemelha muito com a realidade, não é mesmo?
A edição da Biblioteca Azul apresenta um trabalho gráfico que salta aos olhos. A capa está linda, com uma ilustração que reflete bem Fahrenheit 451 – confesso que fiquei admirando por um tempo – e o livro, além disso, conta com um prefácio, posfácio e coda que contribuem para um entendimento mais rico da obra de Bradbury. No entanto, logo no prefácio, tem uma análise, até então muito boa, contextualizando o livro. O problema é que o texto acaba destrinchando o desenvolvimento da obra, entregando partes significativas e, pasmem, o final. Assim, confesso que fiquei um pouco decepcionado. Não gosto de spoilers. E, considerando a proposta de Fahrenheit 451, acho um pouco contraditório termos comentários críticos antes que o leitor tire as suas próprias conclusões.
Fahrenheit 451 é um livro incendiário! Daqueles que provocam o leitor! Há cenas/diálogos que fazem você refletir sobre determinados assuntos abordados por um bom tempo. Acredito que um livro sempre contribui com algo para o leitor, mas a obra de Ray Bradbury arrasa. É daquele tipo de livro que, a cada nova leitura, você absorve mais. Indispensável!