[Resenha] A última viúva, de Karin Slaughter

Redação

É preciso muito pouco para conseguir reunir um grupo de pessoas dispostas a arriscar a própria vida em nome de uma causa. Principalmente nesses tempos em que as redes sociais e os aplicativos de envio de mensagens garantem que um vídeo, um discurso, uma ideia ou a mais maluca das teorias da conspiração sejam farta e amplamente distribuídas. É uma das formas para se atingir pessoas com pensamentos parecidos. Ou para arregimentar indivíduos descrentes no sistema. Desesperados por melhorar sua condição. Ou movidos por fanatismo, preconceito, racismo, xenofobia.

A partir de uma interpretação bem pessoal da Constituição norte-americana, somada a ideias próprias que mesclam todo o tipo de verborragia e preconceito que vem movimentando o mundo nos últimos tempos, um pequeno grupo de homens, liderados por ex-integrantes do exército e reunindo garotos com pouco mais de dezoito anos, decide que chegou a hora de dar um basta. Sem fé na política e nos políticos, levando a interpretação da Bíblia a níveis absurdos e movidos pelo sentimento de que é preciso acabar com diversos grupos de minorias eles vão colocar em movimento um plano diabólico capaz de causar danos inimagináveis e atingir com força total o centro de poder nos Estados Unidos. E se nada der certo? Bom, haverá celulares filmando e a mensagem vai chegar a algum lugar.

De forma bem resumida esse é o cerne do thriller A Última Viúva, nono livro da série protagonizada pelo investigador Will Trent e, na minha opinião, um dos melhores da autora Karin Slaughter. Não só por desenvolver de forma magistral e convincente um tema mais que atual, tocando em feridas que ainda estão expostas e vem causando polarizações doentias em diversos países, mas também por ter um ritmo narrativo alucinante e colocar nossos velhos conhecidos personagens em situações bem diferentes do que estamos acostumados na série.

Em A Última Viúva vamos encontrar um Will no auge da dúvida em se entregar ou não à paixão pela médica legista Sara Linton. Ops, mas tem recíproca. Porque Sara ainda sofre pela perda do marido e agora tem a pressão da família que não entende muito bem que tipo exato de relação ela tem com Will. Que os dois se amam é fato, mas ainda há muitas dúvidas internas que os impedem de se entregar um ao outro. Pra tristeza deles, e alegria de nós, leitores sádicos, o empurrãozinho para essa relação deslanchar de vez vai vir através do sequestro de Sara. Com a culpa pesando e uma corrida contra o tempo para garantir seu resgate com vida, Will vai se infiltrar na organização terrorista que sequestrou Sara e tentar desmantelar um plano que pode afetar milhões de vidas.

O ponto alto da obra é o aprofundamento que Slaughter fez das motivações desses pequenos núcleos terroristas. Bem longe de grandes organizações como a Al-Qaeda, a obra se debruça em movimentos locais, motivados tanto pelo racismo, preconceito contra homossexuais ou pela perda de espaço de trabalho para imigrantes quanto por puro e simples ódio. Tudo bem fundamentado em explicações encontradas nas mais loucas interpretações bíblicas ou pelo patriotismo cego. Os discursos dos personagens e as explicações detalhadas que nos são fornecidas são extremamente atuais e nos abrem horizontes inimagináveis de como esse momento que vivemos é, de fato, perigoso.

Publicado em 2019, o livro tem claras inspirações no momento em que os Estados Unidos passavam pela avalanche do governo Donald Trump, com ideias supremacistas e extremistas. Mas a trama acaba por refletir, também, muito das características de divisão e polarização que vem se espalhando pelo mundo, incluindo o Brasil.

Em A Última Viúva, os leitores vão encontrar uma obra viciante com desdobramentos e reviravoltas surpreendentes e seguindo aquele estilo de construção narrativa minuciosa, detalhista e envolvente que tanto caracterizam a autora. Roubando a cena em diversos momentos com suas tiradas sarcásticas, Fatih Mitchel mais que se consolida como uma das melhores personagens da série. E aos que vem acompanhando livro a livro na ordem de publicação, mesmo com o absurdo da editora ter ignorado os livros 5 a 7, fica nítida a evolução dos personagens em uma construção super detalhada e que nos faz íntimos de cada um e também um pouco participantes dessas histórias.

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