[Resenha] A Forma da Água, de Andrea Camilleri

Redação

“Publicado em 1994, A forma da água traz a primeira história protagonizada pelo detetive Salvo Montalbano – o nome é uma homenagem ao escritor espanhol Manuel Vázquez Montalbán e seu personagem mais conhecido, Pepe Carvalho. O sucesso estrondoso garantiu vida longa a Montalbano, que viria a figurar em quase trinta livros, além de ser adaptado para a televisão e traduzido em dezenas de países, num êxito internacional. As características desse investigador humano, demasiado humano, lhe valeriam comparações com Jules Maigret e Philip Marlowe, entre outros. Montalbano é investigador da polícia de Vigàta, a localidade siciliana fictícia que corresponde a Porto Empedocle, cidade natal do romancista. Lá, o oficial se depara com crimes que não são delitos isolados, mas que se conectam inextricavelmente à sociedade local – desigual, conservadora e submissa à cosa nostra. Tudo isso ambientado em um cenário idílico e regado a um estilo de escrita primoroso. Nunca a literatura policial foi tão feliz ao explorar o paradoxo da miséria e da grandeza de uma região e de seus habitantes”

Na história, o oficial do governo norte-americano Richard Strickland  é enviado à Amazônia para capturar um ser místico e, até então, desconhecido, que seria utilizado para fins militares nos Estados Unidos, na época da Guerra Fria. O chamado deus Brânquia é uma criatura com guelras, um homem-peixe que representa todo o sacrifício e tudo aquilo no que ele se transformou e detesta: um homem selvagem, quase irracional. Mas Elisa Esposito, uma das serventes que trabalha no centro de pesquisa para onde o deus Brânquia é levado, vê na irreverente criatura um novo sentido para a sua vida tão silenciosa e invisível. E, assim, Elisa e Richard travam uma batalha pela vida do homem-peixe.

Essa foi a minha primeira experiência de ler um livro depois de ter assistido ao filme, uma vez que a obra literária foi lançada aqui no Brasil após a estreia da produção cinematográfica. Sempre faço o contrário. Exatamente por preferir ter uma visão mais aprofundada e desenvolvida da história e criar as minhas próprias percepções e impressões. E foi justamente isso que me agradou em A Forma da Água. Confesso que estava bastante receosa de a leitura não me prender por já saber o que acontecia, mas fui positivamente surpreendida. A narrativa não apenas me prendeu, como me trouxe uma visão completamente diferente da que eu havia construído com o filme.

Achei muito interessante a maneira como o livro consegue ser praticamente um complemento ao filme. Uma obra não anula ou “compete” com a outra. O texto traz um aprofundamento muito importante de todos os personagens e nos incita a refletir sobre tudo aquilo que ajudou a construir a essência de cada um. Gostei particularmente de conhecer melhor as histórias de Zelda (êta personagem maravilhosa em todas as versões!), Elaine Strickland e, acreditem se quiserem, do próprio Richard. Richard é um personagem asqueroso, desprezível. Representa todo o tipo de retrocesso. No entanto, a maneira como ele é formado, como ele próprio vai se deteriorando é assustadora e chega a ser incômoda. Mas é importante para entendermos todo o contexto e as suas próprias convicções.

Já a parte do romance, por incrível que pareça, foi no filme que eu consegui me envolver mais. Não sei explicar bem o porquê, mas, no livro, ainda que as passagens sejam muito bem escritas e tocantes, principalmente por termos uma descrição quase poética dos pensamentos de Elisa e do que ela e o deus Brânquia representam um para o outro, achei que faltou uma emoção a mais. Mas nada que tire o valor e a simbologia dessa relação.

O fato é que Andrea Camilleri sabe como contar uma história. Mais do que isso, ele sabe como criar personagens tão diferentes, tão incomuns. Desde O Labirinto do Fauno tenho uma profunda admiração por seu trabalho. Sua forma quase lúdica de recontar, de criar e sua sensibilidade tocante nos fazem viajar por esses mundos tão fantásticos e sobrenaturais. Aliás, outro ponto positivo para Andrea Camilleri (em minha humilde opinião de leitora medrosa): ele é um dos únicos – se não o único – que consegue nos fazer ver os monstros de uma nova maneira. Livres de julgamentos, de pré-conceitos. Ele nos faz ter empatia por criaturas que geralmente são colocadas em posições inferiores ou para nos provocar o medo. del Toro desmistifica esse medo. Em seus contos de fadas sombrios, em vez de nos apavorar, eles nos aproxima.

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