Crítica | Relatos do Mundo

Goutyne
By Goutyne
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Relatos do Mundo é, por incrível que pareça, algo razoavelmente pouco explorado no faroeste. O longa, que se passa em 1870, cinco anos após o fim da Guerra de Secessão, faz o Capitão Jefferson Kyle Kidd de Tom Hanks, um ex-Confederado que viaja de cidade em cidade lendo notícias dos mais diversos jornais (basicamente vemos, aqui, a origem do radialista e do âncora de TV), cavalgar por um país profundamente dividido, com as chagas do doloroso conflito ainda muito abertas e aparentes, algo que fica evidente logo em seus minutos iniciais quando um grupo de soldados do norte para e revista Kidd, logo preocupando-se se ele tem ou não uma arma, já que o porte para sulistas fora proibido.

É claro que o assunto fica ainda mais interessante quando lembramos que essa situação mal resolvida encontra ecos evidentes até os dias de hoje, com o último presidente de lá aprofundando ainda mais o problema e tornando o longa ainda mais pertinente.

Infelizmente, porém, o mais novo filme de Paul Greengrass (que volta a trabalhar com Hanks desde Capitão Phillips), mantém esse contexto apenas mesmo como contexto, preferindo abordar os demônios que assombram Kidd e também Johanna (Helena Zengel), menina que passara seis anos convivendo com os Kiowa, depois que eles massacraram sua família e que o ex-capitão encontra perdida. Sem alternativas, Kidd acaba se vendo obrigado a seguir em uma jornada de 600 quilômetros para levar a jovem de origem alemã até seus últimos familiares, artifício usado pelo roteiro que Greegrass co-escreveu com Luke Davies (Lion – Uma Jornada para Casa) para fazer com que os protagonistas repassem suas vidas, cada um em sua respectiva e oposta ponta.

Por mais que seja um prazer ver Tom Hanks, um dos grandes atores americanos modernos, fazer o que faz de melhor de maneira tão natural que parece que ele não está fazendo esforço algum e por mais que seja perfeitamente esperado que ele, já tendo se solidificado em um tipo de papel, provavelmente jamais será visto sob uma luz sombria, confesso que chega a ser um pouco cansativo que seu personagem, mesmo carregando um passado que acaba pouquíssimo explorado, seja o “confederado bonzinho”, “o homem que imediatamente se afeiçoa por uma criança perdida”, “aquele que olha as atrocidades dos outros seres humanos com olhar de reprovação” e assim por diante. Essa retitude moral talvez exacerbada (se é que isso existe) tira muito da força do personagem, tornando-o estranhamente raso e até unidimensional, possivelmente escapando dessa classificação apenas por Hanks ser quem ele é.

Da mesma maneira, Helena Zengel que, apesar da tenra idade, já tem um bom número de filmes em seu currículo, inclusive Transtorno Explosivo, o longa que realmente a revelou, não tem muito espaço para trabalhar sua personagem não só porque ela contracena com ninguém menos do que Hanks, que ocupa o cenário com toda a facilidade, como também por seu personagem ser um bicho do mato que permanece por boa parte do tempo de cara fechada grunhindo.

Mas calma, pois a jovem está muito bem em seu papel e ela e Hanks formam uma dupla carismática, com boa química, ainda que Greengrass que, nesse filme, não mostra nem sombra da garra crítica de obras como 22 de Julho, não saiba explorar muito bem o desenvolvimento da conexão entre os dois, usando muito mais uma abordagem binária do tipo “em uma hora ela não fala com Kidd; na outra ela ama Kidd mais do que açúcar”.

O grande problema do filme, portanto, não está em seus atores. Longe disso até. A questão mais relevante é que Relatos do Mundo é um western para lá de comportado que parece ter orgulho de ticar em todas as caixinhas do formulário de como se fazer um filme do gênero.

Homem razoavelmente soturno de passado triste ou misterioso, menina sequestrada por nativos, paisagens belíssimas que a fotografia de Dariusz Wolski (Perdido em Marte) captura muito bem, diversos exemplos do Destino Manifesto, trilha sonora grandiosa de James Newton Howard (Animais Fantásticos e Onde Habitam), mas não exatamente memorável e uma sucessão de obstáculos padrão para a jornada dos heróis, de bandoleiros até tempestade de areia. Está tudo lá para ser apreciado, mas não para ser devorado, para ser sentido com vontade.

Com um roteiro cuidadoso demais para não pisar demasiadamente em calos, uma contextualização histórica fascinante, mas que é usada apenas como pano de fundo e, mesmo assim, vai progressivamente perdendo destaque, uma dupla protagonista irresistível, mas não exatamente especial e um ritmo episódico na base da “ameaça do momento”, Relatos do Mundo não arregaça as mangas para dizer a que veio e acaba desperdiçando seu potencial.

Ainda é um filme visualmente bonito e narrativamente agradável de se assistir – como achar outra coisa da interação entre Hanks e Zengel, não é mesmo? -, mas não muito mais do que isso, infelizmente.

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