Você já ouviu falar da série “Demolidor” da Netflix? Bem, a premissa da história notável do super-herói é bastante simples; o protagonista da trama, Matt Murdoch, sofreu a perda da visão quando ainda era criança em um acidente químico e aprendeu desde então a sobreviver em um mundo cheio de complexidades sem esse sentido vital.
O lado heroico de sua história vem de suas habilidades incríveis com seus outros sentidos, incluindo audição, olfato e tato. Para combater o crime nas entranhas de sua cidade corrupta, ele usa algo semelhante à ecolocalização, mergulhando de edifícios, lendo os movimentos das correntes de vento, ouvindo vozes a quarteirões de distância e identificando pessoas pelo cheiro.
Por mais inspiradora que seja a vida do Demolidor nos filmes, será que esse tipo de habilidade avançada tem alguma base na vida real? Em outras palavras, a perda da visão pode aguçar os outros sentidos para compensar a incapacidade de enxergar? Bem, antes de abordarmos essa questão, precisamos entender primeiramente como funcionam os sentidos em conjunto.
Os cinco sentidos tradicionalmente conhecidos
Bem, todos nós sabemos quais são os cinco sentidos básicos que nós, seres humanos, possuímos: visão, olfato, paladar, tato e audição. Mas de onde vêm esses “poderes”? Bem, isso vai exigir um pouco de conhecimento sobre o cérebro humano, que é tradicionalmente dividido em seis áreas principais: os lobos frontal, parietal, occipital, temporal, límbico e o córtex insular.
Nossos sentidos de olfato e audição são controlados pelo lobo temporal, enquanto a visão é controlada pelo lobo occipital. O paladar está intimamente relacionado ao olfato e também é afetado pelos nervos olfativos, enquanto o tato é geralmente detectado e processado pelo lobo parietal. Outras seções do cérebro também afetam nossos sentidos, como processar pistas visuais (lobo temporal) e registrar a dor do toque (córtex insular).
Os sentidos que são mais comumente “perdidos” costumam ser a visão e a audição, que são controlados mais especificamente pelo córtex visual e auditivo, respectivamente. Ainda assim, é totalmente possível perder os sentidos do paladar, olfato e tato, mas isso é bem menos comum.
Curiosamente, é apenas à medida que crescemos que os sentidos individuais começam a ser controlados por setores sensoriais independentes. A beleza do cérebro é sua complexidade, que pode ser vista através do fato de que os cérebros de bebês cegos não se separam nessas seções individuais, permitindo que os córtex visual e auditivo “se unam” e aumentem a sensibilidade da audição.
Tá, mas a perda da visão pode fazer com que os outros sentidos fiquem mais fortes?
Basicamente, a resposta é sim. Segundo o Gizmodo, como uma pessoa que sofreu com a perda da visão não precisa mais usar essa parte do cérebro para processar imagens, mais energia e poder de processamento podem ser transferidos para os sentidos da audição e do tato, o que tende a balancear a capacidade do indivíduo de se localizar e locomover pelo mundo.
Algumas pessoas cegas, por exemplo, costumam usar uma técnica chamada “clique”, na qual emitem pequenos ruídos e interpretam o eco que ouvem para determinar o ambiente ao seu redor. Essa técnica de ecolocalização pode até permitir que algumas delas determinem objetos específicos e andem normalmente sem esbarrar em paredes ou obstáculos.
O sentido aguçado da audição permite que o cérebro diferencie os ecos que retornam após esses cliques, um feito que parece impossível para aqueles que normalmente confiam somente na visão. Mais impressionante, as varreduras cerebrais de cegos podem revelar que os sons não são processados apenas pelo córtex auditivo, mas também no lobo occipital (córtex visual), apesar de não serem capazes de “ver”.
Algo semelhante acontece com aqueles que são surdos, embora tenha sido descoberto que o cérebro desses indivíduos usa o córtex auditivo para processar o toque e estímulos visuais. Dito isto, mesmo que o indivíduo não possa mais ouvir, a parte auditiva do cérebro ainda é útil como componente do cérebro, o que contribui com seu poder de processamento para os outros sentidos, potencializando-os de forma mensurável.
Uma palavra final
Vale destacar que algumas pessoas argumentam que os humanos não estão limitados aos cinco sentidos tradicionais e podem fazer o uso de habilidades como magnetorecepção (detecção de campos magnéticos), bem como detecção da passagem do tempo, consciência inconsciente de onde estão as partes do nosso corpo, entre outros.
Embora esses sejam assuntos menos comumente pesquisados em relação ao cérebro, foi demonstrado que essas habilidades também podem ser aumentadas quando perdemos algum dos nossos cinco sentidos tradicionais. No entanto, vale lembrar que o cérebro ainda permanece sendo uma máquina misteriosa, de modo que aprendemos mais sobre ele a cada dia.
No fim das contas, o fato é que há uma certa veracidade por trás das habilidades que o Demolidor aprimorou após a perda da visão. Embora pessoas cegas não saiam por aí saltando pelos telhados, equilibrando-se em grades estreitas e farejando bandidos ao virar a esquina, pesquisas sólidas já mostraram que a perda da visão realmente pode aguçar os outros sentidos de alguma.